Zuenir Ventura, O Globo
A reportagem de Eduardo Faustini no “Fantástico”, revelando as fraudes no sistema de saúde, prova que a imprensa está fazendo a sua parte.
Sem qualquer protecionismo ou espírito corporativo, pode-se afirmar que não há um grande escândalo no país que não seja denunciado ou noticiado por algum jornal, revista, emissora de rádio, de TV ou site.
Ela pode pecar por excesso, não por omissão. O trabalho de Faustini desfaz a lenda saudosista de que hoje não há mais lugar na mídia para grandes reportagens, que bom era o jornalismo de antigamente. Engano.
Com criatividade, paciência e argúcia, ele fez um dos mais contundentes libelos contra a corrupção, sem aparecer e sem precisar usar um adjetivo sequer, passando a palavra aos próprios personagens para se confessarem e se incriminarem. Nada é contado por ele, mas mostrado ao telespectador sem mediação ou retoque, didaticamente.
Assim, desvenda-se não só o mecanismo dos desvios — a técnica, o modus operandi — como a cultura que envolve seus autores. Em meio a gargalhadas, a pândega representante de uma das empresas corruptas recorre, na maior desfaçatez, à “ética do mercado”; o sócio de outra fornecedora fala com orgulho no exemplo de conduta que “deixo pros meus filhos”.
O terceiro detalha como será entregue o dinheiro, disfarçado em “caixas de uísque”. Tudo muito natural, como se fossem práticas legítimas realizadas em clima de absoluta normalidade.
Assistiu-se a um impressionante festival de hipocrisia, cinismo e escárnio que deveria estarrecer e revoltar nossas instituições republicanas.
Por que a Justiça (e também o Congresso) não faz a sua parte? Para só ficar nesse caso — deixando de lado os muitos e velhos escândalos famosos que continuam impunes — das quatro empresas corruptas mostradas no “Fantástico”, pelo menos duas — Locanty e Rufolo — vêm há 15 anos lesando hospitais e prefeituras, negociando propina para obter vantagens.
Será que o destino delas e de todas as outras comprometidas até o pescoço é não pagar pelo mal que fizeram? Não é normal que, apesar das evidências que a mídia costuma escancarar, o Brasil continue sendo o país do “nada ficou provado”.
Um comentário:
Parece que numa investigação mais ampla muitos políticos seriam pegos na posição do repórter aceitando as ofertas.
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