Lembra do Fiat Elba que o presidente Fernando Collor ganhou de presente do seu tesoureiro de campanha PC Farias? Foi a mancha de batom na cueca de Collor, responsável por sua queda.
Somente um fato assim carregado de forte simbolismo poderá criar sérios embaraços para o governo Lula no caso do mau uso dos cartões de crédito corporativo.
Faz sentido dizer que se sabe como uma CPI começa, mas não como ela termina. A que provocou a queda de Collor, por exemplo, começou com uma entrevista de Pedro, irmão dele, denunciando sem provas corrupção no governo - e terminou no Fiat.
Mas também não faz sentido dizer que o desfecho de uma CPI é quase sempre imprevisível. Na maioria das vezes é previsível, sim. Os governos costumam safar-se delas apenas com escoriações.
CPIs são instrumentos de luta política da oposição. Governos têm horror a elas.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso matou a pau todas as CPIs propostas pelo PT. Sem sucesso, Lula tentou fazer o mesmo com as CPIs que brotaram no rastro do escândalo do mensalão. Acabou obrigado a conviver com três delas de uma vez só. Uma, a do Correio, apontou 40 pessoas como membros de uma “sofisticada organização criminosa”.
A seu modo, Lula parece ter aprendido a lição. Diante do risco de a oposição criar uma CPI no Senado para investigar a lambança dos cartões corporativos, ele mandou criar sua própria CPI. Incumbiu-se da tarefa Romero Jucá (PMDB), líder do governo no Senado.
Pelos próximos três meses assistiremos ao espetáculo de uma CPI controlada pelo governo ocupada em investigar irregularidades cometidas – por quem mesmo? Pelo governo.
O ministro Tarso Genro, da Justiça, acha que o governo merece elogios por sua transparência – afinal, o caso dos cartões só se tornou público porque os gastos bancados com eles estão disponíveis na internet.
Balela! As despesas com cartões no ano passado somaram R$ 78 milhões. Do total, R$ 58 milhões foram sacados em dinheiro vivo. Cadê a prestação de contas de toda essa grana? Na internet não está. Só o governo sabe onde está.
É possível que nem mesmo o governo saiba.
Na semana passada, os ministérios receberam um questionário com 13 perguntas formuladas pela Secretaria de Comunicação Social do Palácio do Planalto. Eis algumas: por que os cartões permitem saques em dinheiro? Como são feitas as prestações de conta? Como é possível garantir que a despesa realizada não foi de caráter pessoal? E por que certos gastos da presidência da República são sigilosos?
Espantoso que o governo não tenha respostas prontas para tais perguntas. Revela o absoluto descontrole com gastos que cresceram quase 900% nos últimos cinco anos.
Caberia a uma CPI responder a essas e a outras perguntas, mas isso não ocorrerá. Se depender da CPI encomendada por Lula, a fatura do escândalo do mau uso dos cartões será debitada unicamente na conta de assessores descuidados de ministros e boys de repartições públicas.
Resta saber como se comportará a oposição.
O DEM, ex-PFL, é impermeável à acusação de que abusou de cartões quando ajudou o PSDB a governar durante os oito anos de Fernando Henrique Cardoso. Sob Marco Maciel (DEM-PE), a vice-presidência da República dispôs de três cartões – e ele jamais usou um. O DEM, pois, quer ver jorrar sangue na CPI. O PSDB, não. Teme mais a CPI do que o próprio governo.
Primeiro porque uma CPI manietada pelo governo nada aprovará que possa lhe causar maiores aborrecimentos. Segundo porque é o governo que manda na máquina administrativa capaz de produzir informações. E a máquina foi acionada para levantar tudo que possa constranger Fernando Henrique e seus aliados – do estoque passado de vinhos finos e caros degustados no Palácio do Planalto a compras de artefatos eróticos.
O jogo do poder é pesado, sujo e sem regras. Para vencê-lo, o governo Lula está disposto a se valer de todas as armas.
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