Sem muito entusiasmo, começou a ver os cadernos de empregos dos jornais. Leu um anúncio de uma Seguradora não identificada e achou que era a GLS. Lembrou-se, então, do Dr. Bráulio Medeiros, executivo importante na empresa e nome muito respeitado no mercado.
Luiz Felipe o conhecia dos tempos da Seguradora de Paris, onde ele ia pelo menos a cada dois anos, na campanha para a eleição do Conselho Técnico do Instituto de Resseguros. Além disso, cinco anos antes, haviam estado juntos em Paris, numa reunião na Matriz da sua Companhia, para tratar dos seguros de importação das turbinas da Hidroelétrica de Iguaçu, assunto de grande interesse para as duas Seguradoras. Tinham conversado bastante, se tornado mais do que simples colegas de uma mesma atividade profissional.
Por isso, e porque estava com muito medo do que poderia vir a ocorrer, caso a Segex viesse realmente a sofrer uma intervenção, o que ainda não tinha acontecido, Luiz Felipe sentiu-se à vontade para procurar o Dr. Bráulio, informar-se sobre o anúncio e tentar uma colocação.
O anúncio não era da GLS, mas o Dr. Bráulio via com bons olhos seu ingresso na empresa da qual era Vice-Presidente, se houvesse vaga..., o que, declarou sem maiores detalhes, poderia acontecer nas próximas semanas. Pediu-lhe um currículo mas deu uma sugestão, quase uma ordem:
- Não mencione a Segex. Isto não ajuda. Só atrapalha. O que vai interessar no currículo é o grau universitário, a sua passagem pela Seguradora francesa de onde, sei lá porque, você saiu, e, talvez, o inglês e o francês que você domina. Mas, repito, não mencione a Segex.
Sem pouca coisa para fazer - ele não participava do Departamento de Seguros Obrigatórios - sobrava-lhe tempo para pensar.
Pensar... nos dezesseis anos da Seguradora de Paris e suas mordomias... na Segex, onde se imaginou como o homem de absoluta confiança do dono, o monarca, o Príncipe Charles, ainda que de um reino menor... pensar... e perceber que isto tinha ficado para trás e que, às vésperas de completar quarenta e oito anos de idade, estava no ponto zero, tendo de começar tudo outra vez.
Então, alguma coisa parecida com desesperança começou a rondar sua cabeça. E agora ? E se não surgisse a vaga na GLS ? E se a Segex sofresse outra inspeção? Escaparia outra vez, ou seus bens ajudariam a pagar as dívidas do Dr. Eduardo ? E por que o Dr. Eduardo não voltara da Inglaterra ? E Luísa, onde andava Luísa ?
O núcleo neurótico não perdeu a oportunidade e sugeriu que Luiz Felipe passasse todos os seus bens para o nome do irmão. E ainda acrescentou:
- E trate de arrumar outra namorada...
Um mês depois de ter entregue o currículo, onde a Segex não aparecia, houve o telefonema do Dr. Bráulio, convidando-o para almoçar no Clube de Seguradores, onde também estaria presente o Dr. Silvio Cavalcante, Diretor da área de saúde.
Conversou-se sobre viagens, política e economia, mas não se falou em seguros, e, muito menos, sobre sua candidatura ao emprego na GLS. Despediram-se e Luiz Felipe voltou para o seu corredor da morte, convencido de que o estavam conhecendo, pesquisando se ele era um perfeito imbecil, como o seu ingresso na Segex fazia supor.
A expectativa, a ansiedade, a agonia duraram mais duas semanas. A secretária do Dr. Rogério Campos, Diretor Técnico, telefonou, convidando-o para almoçar no restaurante da Diretoria da empresa, no oitavo andar do edifício sede.
Bráulio Medeiros, Silvio Cavalcante, e agora Rogério Campos. Se era verdade que a GLS tinha mais de trinta Diretores e se todos tivessem que conhecê-lo, o que pensa, como se veste, como fala, como segura o talher..., com intervalos quinzenais para os almoços, talvez, o ingresso na Seguradora viesse a ser comemorado junto com o seu cinqüentenário.
O Dr. Rogério Campos falou rapidamente sobre a GLS, contou um pouco da sua história e explicou a origem do nome, que Luiz Felipe já conhecia:
- O fundador da Companhia, lá pelo ano de 1900, foi um pernambucano que se chamava Geraldo de Lima Siqueira. Ele pegou as iniciais do seu nome e batizou a Companhia, sem saber, claro, que, quase um século depois, a sigla GLS viria a se tornar no que se tornou... É evidente que os herdeiros atuais poderiam ter alterado, mas a tradição falou mais forte, o nome estava consolidado e ninguém se preocupou em mudar.
Desceram até a sala do Diretor e ele lhe informou o cargo que ia ocupar e o salário. Luiz Felipe, excitado, percebeu que ganharia quase quatro vezes mais do que na Segex. Ganharia... porque a admissão ainda não estava decidida.
- Você teve a aprovação do Dr. Bráulio, do Dr. Silvio e a minha. Só falta passar pela Mônica Pacheco. Vou falar com ela e ela marca a entrevista.
Luiz Felipe devolveu o crachá e apanhou a carteira de identidade. No táxi, voltando para a Segex, sentiu-se um perfeito idiota, por não ter perguntado quem era Mônica Pacheco. Enfim, pensou, devia ser mais uma Diretora.
Mônica Pacheco telefonou no dia seguinte. Era a psicóloga, chefe do setor de recrutamento. O exame, uma enorme bateria de testes, seria realizado às oito horas da manhã do dia seguinte.
Dormiu mal outra vez. O núcleo neurótico, que não teve coragem de aparecer ao vivo e a cores, invadiu seu sono e Luiz Felipe sonhou com as provas de matemática e de descritiva, nos tempos do colégio, e concluiu que seria reprovado.
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