No Departamento de Marketing, já tinha sob seu comando um dos Gerentes contemplados no organograma. Era um ex-funcionário que voltava, chamava-se Márcio. Três vezes por semana, iam juntos de metrô para Botafogo, Luiz Felipe para casa, e Márcio, que passara por uma fase de depressão, para a sessão de análise. Tinham, pois, um ponto comum de interesse. Depois, descobriram outros e tornaram-se amigos. Márcio dizia que só um ex-deprimido podia entender o que estava ocorrendo e achava que depressão se curava com psicanálise e não com remédios.
- Veja o seu caso. De quê lhe adiantou o tal do Tofranil ? Eu também tomei. E mais Limbitrol e mais Survector... Mexeu com uma porção de coisas dentro de mim, me deixou impotente por algum tempo, mas não curou a depressão.
Deu a Luiz Felipe o telefone de sua psicóloga.
Luiz Felipe pensou no Tofranil, na secura de sua boca e achou que talvez o amigo tivesse razão. Decidiu voltar ao confuso mundo da psicanálise.
A Dra. Ingrid fez várias perguntas sobre sua amizade com Márcio, e Luiz Felipe achou que ela estava pesquisando um possível relacionamento sexual.
- Nós não somos namorados, se é isso que a senhora está pensando.
- Eu não estou pensando coisa alguma. Só estou avaliando o nível de relacionamento de vocês para saber se posso ter você como meu cliente.
Não, não eram namorados, mas o relacionamento, na escala da Dra. Ingrid, impedia que fossem clientes da mesma psicóloga. Ela, então, indicou uma colega com quem Luiz Felipe marcou a consulta.
Os colegas de trabalho, preocupados e solidários com seu estado, tentavam ajudar, da maneira que achavam ser a correta, e, com a melhor das intenções, freqüentavam sua sala apresentando sugestões, como tirar férias, caminhar na beira da praia molhando até as canelas, arrumar uma namorada.
Suzana, a secretária, foi mais objetiva. Sem qualquer constrangimento, pediu licença, e entrou em sua sala segurando um jornal:
- Dr. Luiz Felipe, me desculpe a intromissão, mas dói ver o senhor neste estado. O senhor precisa arrumar uma companhia, casar.... O senhor me desculpe outra vez...
Hesitou alguns segundos e deu-lhe o jornal:
- Aqui no Balcão tem uma porção de anúncios de pessoas solitárias, pedindo encontros. Não é prostituição não... um amigo de um colega do meu marido mandou uma carta e hoje está até juntado com uma senhora, vivendo muito bem.
Luiz Felipe imaginou-se correspondendo-se com anunciantes do correio sentimental do jornal, o que, pensou, seria o atestado de que estava muito mal. Não, ele não faria isto. Ele estava deprimido, mas nem tanto...O jornal ficou sobre a mesa. Mas, à noite, quando foi para casa, colocou-o dentro da pasta.
Antes que as trinta gotas do Neozine lhe trouxessem o sono, leu todas as mensagens. Tomava conhecimento de pessoas que anunciavam, sem qualquer constrangimento, a sua solidão, quase implorando, em letras grandes e em negrito, por uma companhia. E lembrou-se de Aristóteles afirmando que o homem que vivia só, ou era um deus, ou um animal, sem deixar de pensar em sua avó que citando um velho ditado, dizia que era melhor viver só do que mal acompanhado. Ou, ao contrário, era melhor viver mal acompanhado do que só ?
Quase aos cinqüenta anos, continuava solteiro, recusando-se a viver os probleminhas diários que seu irmão e seus amigos, casados e cheios de filhos, não cansavam de lhe contar. Se, agora, estava sentindo a solidão, certamente era por causa da depressão e, se estava conseguindo ter esta percepção, é porque, talvez, não estivesse tão deprimido assim.
Ele lera um artigo em que ficara muito claro que uma pessoa deprimida, enquanto estivesse deprimida, não devia tomar decisão alguma, como mudar de emprego, de casa e, sobretudo de estado civil... Certamente se arrependeria mais tarde, quando ficasse bom.
Naturalmente também sentia saudades de Luísa e esta sensação se aguçava a cada vez que ela mandava notícias de Paris, o que, felizmente, acontecia muito esporadicamente. De qualquer maneira, Luiz Felipe, que, a sua maneira, gostava da ex-namorada, achava bom que ela não estivesse com ele, não queria que ela o visse nesta fase de queda livre para o fundo do poço. Ela, realmente, não poderia fazer coisa alguma.
Logo que chegou ao escritório, a secretária apareceu. Seu olhar era um enorme ponto de interrogação. Ele ficou na dúvida se deveria dizer-lhe que havia aceito a sugestão. Em poucos minutos, todo o Departamento de Marketing ficaria sabendo que estava respondendo a cartas do Balcão, o que seria uma aberração intelectual, mesmo para um intelectual deprimido.
Fechou a porta, redigiu no computador uma carta e fez quinze cópias. Sobrescritou os envelopes, fechou-os e chamou o contínuo. Quando lhe entregou as cartas, mandando-o colocar na caixa do jornal, sentiu como se estivesse entregando ao carrasco a ordem da própria execução.
Na semana seguinte, começaram as sessões de psicanálise.
A psicanalista usava jeans e já na terceira sessão, Luiz Felipe achou que não estava tão deprimido assim, porque começou a sentir o corpo respondendo de forma muito agradável ao estímulo daquelas calças apertadas, o que não vinha acontecendo há algum tempo, certamente por causa do curto circuito nos neurônios.
A resposta também esteve presente quando atendeu as primeiras ligações das senhoras do Balcão: sua imaginação já o tinha colocado em um afrodisíaco hotel, no Havaí, com a musa dos tempos de garoto, Brigite Bardot, aparecendo deliciosamente nua, como apareceu em "E Deus criou a mulher...". Sim, era ela que estava do outro lado da linha, marcando um encontro.
A Brigite Bardot estava no restaurante, observando como ele segurava os talheres. Usava dentadura, era certamente mais velha do que ele e morava em Irajá, onde Luiz Felipe a levou, uma hora e meia depois. Quando desceu do carro, perguntou se ele telefonaria. Disse que ia pensar.
A Brigite Bardot número dois foi levada ao apartamento pelo irmão, um rapaz de vinte anos, que depois de olhar muito bem para Luiz Felipe, considerou seguro deixar a irmãzinha de quarenta e cinco. A irmãzinha, que era enfermeira em um hospital em Bangu, informou que só poderia manter um relacionamento, qualquer tipo de relacionamento, se ele concordasse em ser batizado na Igreja Universal de Cristo, no sábado seguinte. Perguntou se ele iria. Disse que ia pensar.
A terceira Brigite Bardot, bem mais moça do que Luiz Felipe, apareceu vestida de preto, com um colar de pérolas, falsas, naturalmente, o que não estava combinando com sua calça jeans, velha e suja. Saíram para jantar, mentiram bastante, mas se entrosaram o suficiente para terminar a noite voltando ao apartamento. Ela foi embora pela manhã e, com muita desenvoltura, cobrou os honorários pelos serviços prestados. Perguntou se ele a chamaria de novo. Disse que sim.
Outras Brigites apareceram e partiram.
Luiz Felipe lembrou-se da psicanalista martelando no seu ouvido que idealização era véspera de esculhambação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário