sexta-feira, 2 de março de 2012

Responsabilização - Veríssimo


Cristopher Hitchens disse certa fez que se fizera uma promessa: não leria mais nada escrito pelo Henry Kissinger até que fossem publicadas suas cartas da prisão.
O Hitchens já morreu, o Kissinger continua escrevendo (seu último livro é sobre a China) e são poucas as probabilidades de que venha a ser julgado, o que dirá preso, pelo que aprontou — no Chile e no Vietnã, por exemplo.
Sua posteridade como estrategista geopolítico e conselheiro de presidentes está assegurada, ele morrerá sem ser responsabilizado por nada e não serão seus inimigos que escreverão seu epitáfio.
O juiz espanhol Garzón, aquele que mandou prender o Pinochet, estava mexendo com o passado franquista da Espanha, também atrás de responsabilização, e bateu de frente com a reação. Recorreram a um tecnicismo de legalidade duvidosa para barrá-lo. Lá também se invoca uma Lei da Anistia para impedir uma investigação dos crimes da ditadura. Anistia não anula responsabilização.
A partir do tribunal de Nuremberg que julgou a cúpula nazista no fim da Segunda Guerra Mundial, passando pelos julgamentos de tiranos em cortes internacionais desde então, o objetivo buscado é a responsabilização, que não tem nada a ver com retribuição, vingança ou mesmo justiça.
Até hoje discute-se a legalidade formal, de um ponto de vista estritamente jurídico, dos processos em Nuremberg, mas era impensável, diante da enormidade do que tinha acontecido, e sob o impacto das primeiras imagens dos corpos empilhados nos campos de concentração nazistas recém-liberados, que eles não se realizassem.
Alguma forma de responsabilização era uma necessidade histórica. Com alguma grandiloquência se poderia dizer que a consciência humana a exigia.
A tal Comissão da Verdade que se pretende no Brasil responderia à mesma exigência histórica, além da necessidade de completar a história individual de tantos cujo destino ainda é desconhecido.
A julgar pela rapidez com que, aos primeiros protestos de evangélicos e bispos católicos, o Gilberto Carvalho correu para lhes dizer que a posição do governo em relação ao aborto continuaria retrograda como a deles, pode-se duvidar da disposição do governo para enfrentar a reação que virá, como na Espanha do Garzón, ao exame do nosso passado e à responsabilização dos seus desmandos.
Vamos torcer para que, neste caso, a espinha do governo seja mais firme.
Pois sem responsabilização as histórias ficam sem fim, soltas no espaço como fiapos elétricos, e o passado nunca vai embora.

Um comentário:

Alberto disse...

Como conviverá uma Comissão da Verdade com leis que proíbem a divulgação de documentos históricos relacionados a eventos políticos por prazos escandalosos para defender a segurança nacional? Gostaria de entender.
A história brasileira vai muito além do período da ditadura.