sexta-feira, 2 de março de 2012

O Escritor e a Loucura - Zuenir Ventura



Para só quem conhece Rubem Fonseca (foto) no Brasil, é difícil imaginar a cena ocorrida na semana passada em Póvoa de Varzim, cidade de Eça de Queirós. no Norte de Portugal, quando o escritor que não dá entrevista, não se deixa fotografar e não faz palestra, a nossa Greta Garbo, de microfone em punho, rodando em volta da mesa onde deveria estar sentado ao lado de meia dúzia de importantes colegas portugueses, iniciou sua fala. "Aqui nessa mesa todos somos loucos" Dizia e punha a mão no ombro de cada um, inclusive do quase nonagenário filósofo Eduardo Lourenço Jorge. "A literatura é uma forma socialmente aceita de loucura", justificava. Na plateia, mais de 200 pessoas assistiam meio incrédulos, misturando espanto e muitos risos, à palestra-show do autor de "Bufo & Spallanzani", que foi premiado no 13* Correntes d'Escrita, o encontro anual que reúne escritores de expressão ibérica.
Citando em dez minutos doze autotres de variadas nacionalidades (é o único a fazer isso com naturalidade, sem ser pedante), Rubem apontava as condições necessárias para alguém se dedicar ao ofício da escrita. A primeira, indispensável, seria então a loucura. Recorrendo ao exemplo do inglês W. H. Auden, ele garantiu que a maneira de formar um poeta é torná-lo. quando criança, bem neurótico. Basta isso ? Perguntou para responder que não, que o candidato devia ser alfabetizado, "mas não muito". E não precisa ser inteligente ? Nem sempre. Segundo ele, Somerset Maughan confessou ter conhecido centenas de colegas, mas poucos, inteligentes. "Concordo com isso", acrescentou Rubem, para delírio da plateia.
As outras condições seriam ser motivado  (sem motivação você não descasca nem uma banana), imaginativo (e virando-se para os que compunham a respeitável mesa, disse "O escritor tem que ter imaginação, ouviram, meninos ") e, finalmente ser paciente. Para ilustrar, citou o caso do romancista francês Gustave Flaubert, que levou cinco anos para escrever "aquele livrequinho de 200 páginas, Madame Bovary" porque ficou à espera sa palavra certa, o "mot juste". "Não existe sinônimo, estão ouvindo ? Cada palavra tem um significado diferente, ensinou, provocando mais risos: "Essa coisa de sinônimo é conversa mole para dormir dos gramáticos"
No final, sobrou também para o público: "Vocês aí, não pensem que, por não serem escritores, não são  loucos também" Foi aplaudido de pé.
Em 1995, assisti a um show parecido em Havana, onde ele e eu fomos jurados do Prêmio Casa das Américas. Quando descrevi na volta o que tinha visto, um Rubem Fonseca solto, desinibido, fazendo graça e arrancando gargalhadas ao ter dois contos, um violentíssimo e outro quase obsceno, muitos aqui duvidaram. Agora tem o YouTube para comprovar. Podem conferir:

http//youtu.be/QqjLOOs8h5k

Um comentário:

Alberto disse...

Um homem admirável! Descobrir aos 72 anos que esse papo de sinônimos é uma balela foi uma epifania.
Viva a loucura dos grandes brasileiros embriagados de lucidez