segunda-feira, 19 de março de 2012

As Ilhas Malvinas





Moradora põe carta na caixa em frente ao correio: hábitos 100% britânicos e poucos argentinos vivendo nas ilhas
Foto: Simone Marinho / Agência O Globo

Moradora põe carta na caixa em frente ao correio: hábitos 100% britânicos e poucos argentinos vivendo nas ilhasSIMONE MARINHO / AGÊNCIA O GLOBO
STANLEY - Algo diferente acontece em Stanley, a capital do arquipélago das Malvinas. As casas estão decoradas com as bandeiras das Falklands e do Reino Unido, os Land Rovers, pintados com a Union Jack (bandeira britânica). Os dois únicos hotéis — Malvina House e Waterfront, onde funcionam também os dois únicos restaurantes — andam com a lotação máxima.

— Somos britânicos, estamos aqui há pelo menos nove gerações. A população descende dos colonos que vieram do Reino Unido, há somente duas famílias de argentinos vivendo aqui. Se os argentinos nos invadirem novamente, mandaremos eles para o espaço — diz Patrick Watts, único locutor de rádio no momento da invasão argentina a Stanley, em 2 de abril de 1982. — De repente, passei a ter um chefe militar.Com gente que busca um lugar na aguardada indústria petrolífera que surge nas ilhas, com veteranos de Reino Unido e Argentina que lutaram a guerra pelo domínio do arquipélago há 30 anos e com jornalistas, muitos jornalistas. Culpa não apenas da efeméride, alegam todos, mas sim do fortalecimento do discurso do governo argentino de Cristina Kirchner sobre a necessidade de se voltar a discutir a soberania sobre as Malvinas. Os três mil moradores do arquipélago — 2,7 mil vivem em Stanley e os outros 300 vivem no campo — estão tensos e não escondem de que lado estão.
‘Cristina Kirchner faz bullying conosco’
Watts traduzia para o inglês o que o militar argentino mandava. Eram mensagens do tipo: “A partir de agora há toque de recolher, haverá apagões para pouparmos energia, dirigiremos do lado direito da estrada e o peso substituirá a libra como moeda oficial”.
— Foi muito difícil, acho que os argentinos achavam que seriam bem recebidos porque, na verdade, éramos dominados pelo Reino Unido contra a nossa vontade e ansiávamos em fazer parte da Argentina. Mas, quando chegaram aqui, perceberam que tudo era diferente. Ninguém falava espanhol e nem sabia direito onde ficava Buenos Aires; campos minados foram deixados para trás — conta Veronica Fowler, professora, referindo-se às cerca de 20 mil minas terrestres que ainda existem ao redor da capital, e que somente agora, 30 anos depois, começam a ser desativadas.
As palavras e o sentimento anti-Argentina de Patrick e Veronica ecoam entre os kelpers, apelido dos nativos das ilhas, cuja população é uma mistura de imigrantes britânicos, estabelecidos antes ou principalmente após 1982 — a economia cresceu muito depois da guerra — e os descendentes dos colonos que chegaram no século XIX ou até antes. Nos últimos anos, as ilhas receberam cerca de 300 chilenos para trabalhar principalmente nos setores de construção e serviços. As duas famílias argentinas costumam ser reclusas e não gostar de receber a imprensa.
— Mas escreve aí: somos um povo simpático e hospitaleiro, não temos nada contra os argentinos, o que tememos é o governo de Cristina Kirchner — diz Lyn Buckland, kelper há nove gerações que, assim como todos, tem passaporte britânico.
Basta alguns minutos no Victory Bar para constatar o descontentamento. O pub é um dos quatro existentes em Stanley, e sair para beber é praticamente o único tipo de entretenimento noturno. As temperaturas nas Malvinas chegam facilmente a zero grau, mesmo no verão, e os ventos são fortes. Os pubs, bem ao estilo inglês, funcionam até às 23h (respeitando as leis antigas britânicas), servem cerveja quente em pints, além dos fish and chips. Há muito mais homens do que mulheres, por causa da base britânica de Mount Pleasant construída no pós-guerra e onde vivem cerca de dois mil soldados. Fuma-se bastante, e os maços de cigarro são vendidos a preços salgados, cerca de 6 libras malvinenses (R$ 17), que equivalem à esterlina.
— É que a gente importa quase tudo o que consome — diz um simpático jogador de sinuca, que só conversa depois de saber que sua interlocutora é brasileira e não argentina. — Mas vocês falam que idioma mesmo no Brasil? — duvida ele.
No Victory fazem sucesso canecas de insulto aos argentinos que os moradores não deixam de considerar invasores. No banheiro, um vaso sanitário aparece com a imagem de Leopoldo Galtieri, o presidente da junta militar que governava o país na época da guerra. Ryan, o jogador de sinuca, diz que até gostaria de ver seu país tornando-se completamente independente do Reino Unido — atualmente as Malvinas só dependem dos britânicos nos setores de Política Externa e Defesa. Mount Pleasant custa cerca de R$ 226 milhões por ano, ou 0,5% do orçamento militar do Reino Unido.
— Mas como ser totalmente independente se os argentinos vivem ameaçando a gente? Não temos como nos defender sozinhos — alega Ryan.
O PIB das Malvinas é de cerca de R$ 306 milhões ao ano, e o governo se sustenta e mantém seu superávit com este dinheiro, “sem receber nem dar um tostão ao Reino Unido”, diz Dick Sawle, um dos oito integrantes da Assembleia Legislativa, eleita pelo povo a cada quatro anos. Sessenta por cento dos recursos vêm da pesca, e o restante do turismo e da agricultura. Para que os produtos, a maior parte importada do Reino Unido, não cheguem a preços tão mais caros ao consumidor , o governo aboliu uma série de impostos, “as nossas reservas permitem isso”, afirma Sawle. Só o cigarro de Ryan é mais caro mesmo, parte de uma campanha antitabagismo.
Dos oito deputados, cinco são de Stanley e três do camp (campo, terras fora da capital). Há ainda uma Câmara superior com três integrantes equivalente à dos Lordes inglesa, escolhida pelos oito deputados. A autoridade máxima britânica nas ilhas é o governador Nigel Haywood, que vive numa linda casa vitoriana cujas salas são repletas de quadros da realeza britânica. As portas, como a de todas as casas e os carros de Stanley, ficam abertas e, para passar por elas, basta ser convidado. A criminalidade é quase zero e só oito policiais patrulham as ruas.
— Há um ou outro caso de agressão de bêbados a moças, uma ou outra batida de carro. Nisso somos bem diferentes dos britânicos e dos sul-americanos. Aqui tudo acontece numa escala muito, muito menor — atesta o policial Richard Moorhouse, que mudou-se da Inglaterra para as Malvinas há dois anos em busca de tranquilidade.
A ignorância que os moradores nutrem pelo restante da América do Sul está diretamente ligada, garante Haywood, ao isolamento imposto às ilhas pela Argentina.
— A Argentina, e isso piorou com Cristina, faz bullying conosco e com o restante do continente não deixando ninguém reconhecer as Malvinas como país — acredita Haywood.
Busca de integração com vizinhos
Em dezembro de 2011 países do Mercosul concordaram em fechar seus portos para navios com a bandeira das Malvinas; o Reino Unido reagiu à medida. Mas, segundo autoridades locais das ilhas, os barcos continuam circulando normalmente, com bandeira britânica. O comércio com antigos parceiros como Chile e Uruguai, no entanto, vem diminuindo nos últimos meses.
— A gente tá comendo menos frutas frescas — reclama Lyn Buckland.
O governador diz que o Reino Unido defende o direito dos kelpers à autodeterminação, ou seja, escolher se gostariam de continuar sendo um território britânico além-mar (as Malvinas não são chamadas de colônia) ou independentes. Segundo ele, potências regionais como o Brasil “precisam perceber” que, ao reivindicar a soberania sobre as Malvinas, é Cristina quem, na verdade, fere o estatuto de descolonização das Nações Unidas, “querendo estabelecer aqui uma colônia argentina contra a vontade do povo”. A sensação geral entre os moradores é que a descoberta recente de poços de petróleo nas Malvinas está por trás do crescente interesse argentino. Há um ressentimento com o fato de o Brasil apoiar as demandas argentinas sem conhecer a realidade do arquipélago.
— Acho que há dois motivos. O primeiro é o fato de a América Latina ter passado quase que simultaneamente por um processo de descolonização contra a Europa no século XIX, o que fez seus países questionarem se é justo haver um vizinho fazendo parte da Europa. O segundo é esta atual tendência de formação de blocos regionais. Adoraríamos ser um país sul-americano, mesmo sendo diferente — avalia Nigel Haywood, mostrando que a “guerra” de 2012 parece ser mostrar que o argentino Jorge Luis Borges estava equivocado ao escrever que “A Guerra das Malvinas de 1982 foi como dois carecas brigando por um pente”.


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Um comentário:

Alberto disse...

O petróleo é um agente complicador na solução do problema.
A Argentina não tem nenhuma base legal ou histórica para sustentar suas pretensões.
A política externa sempre priorizando a autodeterminação dos povos por parte do governo brasileiro faz com que não possamos apoiar os argentinos por mais que nossos interesses sejam ameaçados.
Creio que o melhor resultado seria o empate. A criação de um Uruguai 2 resolveria o impasse. Este novo pais poderia ser as "Falkvinas" ou "Malklands". O único empecilho é o medo da invasão do novo pais, sem a proteção inglesa, por parte da Argentina.