A conversa com Luiz Felipe, na manhã do dia seguinte, durou mais, mas não muito mais do que quinze minutos.
O Dr. Rogério estava constrangido. Há apenas vinte dias tinha preenchido mais um relatório de avaliação de desempenho de Luiz Felipe e as notas haviam sido muito boas. Mas havia modificações na empresa e os Diretores tinham recebido ordens para reduzir custos administrativos. Muito cordial, fez questão de explicar que ele não estava sendo despedido da GLS.
- Você não está sendo despedido, no sentido de sair daqui e ir ao Departamento do Pessoal acertar as contas. Nem estou lhe dando uma carta de demissão, com aviso prévio. A Gerência de Riscos Diversos está sendo extinta e eu não tenho lugar para você na área técnica. Digamos que você está em disponibilidade, por um mês, aguardando uma colocação aqui dentro. Se você achar, tudo bem. Se não...
Luiz Felipe ajudou-o a encerrar o que estava parecendo ser um tormento para ele:
- Se não, você me dá uma carta de aviso prévio, o que significa que tenho dois meses, a partir de agora, para sair. É isto ?
Ele não respondeu porque esta pergunta não fazia parte do roteiro que tinha preparado para a ocasião. Assim, continuou, como se não tivesse ouvido:
- Vou ajudar você a ficar porque acredito que a GLS não deve perder um profissional como você.
Chegou em casa e apanhou a correspondência.
Entre a conta do cartão de crédito, mais uma mala direta oferecendo computadores a preços tentadores e a conta do condomínio, havia um cartão postal que leu ainda no elevador. Luísa contava que se matriculara em um curso de pós-graduação em Psicologia na Sorbonne, que ficaria por mais dois anos em Paris, mandava muitos abraços e em um PS de duas linhas informava que se tinha casado com um colega do curso e que estava muito feliz de sua vida.
Luiz Felipe olhou a foto do cartão e concordou com Luísa que, há algum tempo, comentara que era realmente muito debochado o sorriso da Monalisa.
Dormiu muito mal, apesar dos dois comprimidos de Lexotan mastigados. Acordou às cinco horas, tomou banho, arrumou-se e foi para o escritório. O núcleo neurótico, que também não dormira, sentado a seu lado, no carro, dizia que Luiz Felipe, doze horas depois de ter perdido a namorada, perderia o emprego também.
Passou nove dias na Companhia sem fazer absolutamente coisa alguma. Esperando.
No décimo dia foi finalmente anunciada a incorporação da outra Seguradora pela GLS Seguros, o que provocou o remanejamento de pessoas exercendo cargos importantes, fora do Rio de Janeiro.
Foi o caso do Dr. Mauro Cardoso, que perdeu sua posição de Diretor, responsável pela sucursal de Minas Gerais e foi transferido para a Matriz, ocupando a Diretoria de Marketing. Chegando ao Rio cheio de idéias, criou uma estrutura super dimensionada para o Departamento, desenhando um organograma em que apareciam três cargos de Superintendente, chefiando, cada um, dois Gerentes.
Foi com ele que Rogério Campos tinha falado, pedindo uma vaga para Luiz Felipe.
Pela primeira vez em vinte e sete anos de vida profissional, ele ia participar de uma entrevista que, estranhamente, fazia parte de um processo de não demissão.
A secretária ofereceu-lhe café e informou que o Dr. Mauro Cardoso havia telefonado, dizendo que ia se atrasar alguns minutos. Luiz Felipe agradeceu a consideração e pensou:
- Tenho todo o tempo do mundo. Afinal, não tenho muita coisa para fazer...
O Dr. Mauro Cardoso chegou com alguns minutos de atraso, exatamente cento e oitenta, e ainda ficou trancado em sua sala por mais vinte. Luiz Felipe, na sala da secretária, tomando o décimo primeiro café, estava convencido de que aquele teste de paciência fazia parte do tal processo de não demissão. A sensação que experimentava era a de que seria interrogado pelo juiz que proferiria a sentença, definindo sua vida profissional.
Finalmente entrou, sentou-se diante do juiz e, satisfeito, viu que o núcleo neurótico tinha ficado lá fora, conversando com a secretária.
O juiz fez duas ou três perguntas em francês, outras tantas em inglês e começou a dissertar sobre a fraqueza da força. Quinze minutos depois, estava falando sobre o território da marca. Luiz Felipe teve a sensação de que tinha cochilado e de que tinha sido despertado pela pergunta do Dr. Mauro Cardoso:
- Você tomaria um refrigerante chamado Xerox? Ou tiraria cópias em uma máquina que se chamasse Coca-Cola ?
Luiz Felipe lembrou-se do filme que vira na madrugada e achou melhor não responder. O núcleo neurótico tinha passado por debaixo da porta e estava cochichando em seu ouvido:
- Você tem o direto de ficar calado mas tudo que você disser pode vir a ser usado contra você.
Às nove horas, fazendo um enorme esforço para manter-se atento e, diante do maior festival de bobagens a que já assistira, deu um forte empurrão no núcleo neurótico e decidiu convencer-se de que seria aproveitado, graças, sobretudo, às primeiras respostas da entrevista, em um francês e inglês, absolutamente impecáveis. O Marketing... bem, concluiu que o seu entrevistador conhecia tanto do assunto quanto ele, ou seja, nada.
Luiz Felipe foi aprovado e, na semana seguinte, promovido a Superintendente de Produtos Industriais, passou a ocupar uma sala no sétimo andar. E esperava que não houvesse qualquer alteração que interrompesse o que, naquele momento, ressalvados todos os imprevistos da vida, ele estava considerando como o emprego definitivo, de onde só sairia quando se aposentasse ou quando morresse.
Cinco andares abaixo, no ambulatório da empresa, o núcleo neurótico estava se recuperando das fraturas causadas pelo empurrão. Luiz Felipe esperava que ele morresse.
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