Tendência dos beneficiários é manter trabalho informal; melhoras na saúde e educação
RIO - O Bolsa Família melhorou a cobertura de vacinas, incentivou a frequência escolar entre jovens, reduziu o trabalho infantil e deu mais poder às mulheres ao transferir renda preferencialmente a elas. Mas teve também um efeito indesejado: uma maior propensão de seus beneficiários a estarem em trabalhos informais, quando comparados com outros trabalhadores pobres.
Essas são as principais conclusões da segunda rodada da mais importante avaliação do programa, cujos resultados foram solicitados pelo GLOBO ao Ministério de Desenvolvimento Social com base na Lei de Acesso à Informação. O MDS divulgou em seu site o resultado da avaliação e das entrevistas com 11.433 famílias em 2005 e 2009.
O estudo revela que tanto beneficiários quanto não beneficiários igualmente pobres trabalham, em média, o mesmo número de horas. Mas, no caso dos que recebem o Bolsa Família, as atividades no setor informal predominam, com eles trabalhando, em média, oito horas a mais do que os demais em ocupações sem carteira assinada.
O MDS argumenta que o tema precisa ser melhor investigado, pois outra pesquisa — a Pnad, do IBGE — indica que o percentual de beneficiários do Bolsa Família com emprego formal cresceu de 28% para 34% de 2006 a 2009. O estudo divulgado esta semana, no entanto, tem metodologia diferente por focar na comparação entre grupos similares. Segundo o MDS, pode estar havendo uma incompreensão das famílias sobre as regras do programa, pois, na verdade, o beneficiário não é proibido de ter carteira assinada. O que define o direito ao benefício é o total da renda per capita da família. Mesmo se conseguir aumento de renda, o beneficiário ainda pode ficar no programa por mais dois anos.
Professora de Economia da UFF, Hildete Pereira de Melo diz que a confusão é comum:
— Muitas pessoas acham que não podem ter carteira para entrar no programa. E isso causa uma certa fuga de trabalho com carteira, certa preocupação, sobretudo por parte das mulheres, que são quem recebe o benefício. No trabalho informal, a pessoa até pode ultrapassar a faixa de renda do programa, mas não haverá prova disso.
O governo diz que a situação constatada em 2009 pode ter sido já atenuada com medidas tomadas pelo MDS para dar mais segurança a famílias que deixam o programa após melhoria na renda, mas que, ao perder o emprego, retornam à pobreza e são reincorporadas ao Bolsa.
A economista Lena Lavinas, da UFRJ, afirma que é preciso considerar que houve crescimento do emprego formal na década passada. Ela argumenta que há um grupo de beneficiários que, por serem extremamente pobres e de baixa qualificação, não conseguem acesso a esses postos formais, mesmo em situações de crescimento econômico.
Rafael Osório, pesquisador do Ipea, diz que é preciso considerar que os beneficiários já têm ligação precária com o mercado de trabalho. Segundo ele, pode ter acontecido de pessoas que já estavam no mercado informal terem continuado e aumentado o número de horas trabalhadas.
Outra questão que os autores do estudo levantam é que trabalhadores com carteira, mesmo que elegíveis para o benefício, tenham mais dificuldade para ingressar no programa.
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