HAVANA - O Papa Bento XVI pediu nesta quarta-feira, em sua despedida de Havana, que ninguém fique à margem da sociedade por ter suas liberdades fundamentais restringidas e criticou, pela primeira vez de forma direta, o embargo econômico à ilha caribenha, imposto há mais de cinco décadas pelos Estados Unidos.
O último dos três dias da visita do Pontífice a Cuba foi marcado por um encontro com Fidel Castro e pela missa que arrastou uma multidão à Praça da Revolução, onde Bento XVI defendeu o direito de a Igreja Católica ter um papel de destaque na vida pública do país e convocou os cubanos a buscarem a liberdade.
— Que ninguém se veja impedido de aderir a essa apaixonante tarefa (de formar uma sociedade reconciliada) por conta da limitação de suas liberdades fundamentais, nem privado dela por indolência ou carência de recursos materiais — disse o Papa, numa cerimônia de despedida no aeroporto de Havana. — A situação se agrava quando medidas econômicas restritivas impostas desde fora do país pesam negativamente sobre a população.
Bento XVI fez ainda uma referência aos cubanos que deixaram o país e não podem mais voltar, ao pedir que "Cuba seja a casa de todos e para todos". Na mesma cerimônia, o presidente Raúl Castro aproveitou para destacar o que chamou de esforços de Havana para normalizar a relação com os cubanos no exterior. Raúl criticou, no entanto, os que usam "o tema migratório com fins políticos".
Fidel pergunta: “O que faz um Papa?”
Cercado por milhares de cubanos — não só católicos, como também comunistas e ateus — o Papa chegou à praça para a missa no papamóvel, rodeado por agentes de segurança. A missa aconteceu no mesmo local onde João Paulo II — o primeiro Pontífice a visitar o país — celebrou uma cerimônia semelhante em 1998. Na época, o então Papa também foi recebido por Fidel e fez um discurso pedindo abertura ao governo cubano. Na primeira fileira e com a tradicional camisa branca, Raúl assistiu à celebração.
Após a missa, acompanhada por cerca de 300 mil pessoas, Fidel recebeu Bento XVI em Havana. Apesar de estar afastado do poder desde 2006, por motivos de saúde, Fidel, de quase 86 anos, continua uma das figuras políticas mais importantes da ilha. Há alguns anos, confessou ao cardeal Tarcisio Bertone, atual secretário do Vaticano, que gostava de Bento XVI e que o Papa teria “uma cara de anjo”.
O porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi, disse que a meia hora de reunião desta quarta-feira foi cordial. Segundo ele, o ex-presidente cubano fez perguntas a Bento XVI sobre liturgia, o trabalho de um papa e sobre questões atuais.
— Foi, sobretudo, o ‘comandante’ (Fidel Castro) quem fazia perguntas — contou Lombardi.
Durante o encontro, presenciado pela esposa de Fidel, Dalia Soto, o líder cubano pediu ao Papa livros litúrgicos católicos e religiosos. Boatos antes da visita diziam que Fidel poderia se converter ao catolicismo.
Nesta manhã, o ex-presidente disse ter solicitado ao Pontífice “alguns minutos de seu muito ocupado tempo” quando soube, através do chanceler cubano, Bruno Rodríguez, que o Papa “apreciaria esse modesto e simples contato”.
“Cumprimentarei Sua Excelência o Papa Bento XVI, como fiz com João Paulo II, um homem a quem o contato com as crianças e os cidadãos humildes do povo suscitava invariavelmente sentimentos de afeto”, escreveu Fidel, no site oficial Cubadebate, antes do encontro.
O Papa embarca para Roma às 16h30m (horário local), depois de um percurso pela cidade no papamóvel até o aeroporto de Havana.
Bento XVI pede liberdade em última missa na ilha
Em seu último evento público em Havana, Bento XVI pediu que os cubanos busquem a “autêntica liberdade” enquanto o país passa por mudanças e pressionou o governo a conceder mais liberdades para a Igreja Católica, incluindo o direito do ensino religioso em escolas e universidades.
— Para realizar essa tarefa, (a Igreja Católica) deve contar com a básica liberdade religiosa, que consiste em ser capaz de proclamar e celebrar sua fé também em público, levando aos outros a mensagem de amor, reconciliação e paz que Jesus trouxe para o mundo — declarou o Papa, que reconheceu “com alegria” que importantes mudanças aconteceram desde a visita de João Paulo II. — No entanto, isso deve continuar, e espero encorajar as autoridades do governo do país a fortalecer o que já foi conquistado e avançar por esse caminho de serviços genuínos para o verdadeiro bem da sociedade cubana como um todo.
Em uma aparente referência ao marxismo, o Papa também disse que algumas pessoas “interpretam erroneamente essa busca pela verdade, levando-as à irracionalidade e ao fanatismo; elas se fecham em sua verdade e tentam impô-la para os outros”.
— A verdade é um desejo do ser humano, a busca por ela sempre supõe o exercício da autêntica liberdade — afirmou Joseph Ratzinger.
O texto do Evangelho lido durante a missa conta a história de três jovens perseguidos por Nabucodonosor porque se negam a adorar seu Deus e preferem afrontar a morte a trair sua consciência e sua fé.
O Papa concluiu suas palavras afirmando que “Cuba e o mundo precisam de mudanças, mas elas acontecerão somente se cada um tiver condições de questionar a verdade”.
Desde a madrugada, as ruas da de Havana foram invadidas por milhares de pessoas que queriam ver o Pontífice. Durante a celebração, o Papa ficou frente a frente com as figuras dos revolucionários Che Guevara e Camilo Cienfuegos, em alto-relevo nos prédios perto da praça. A imagem da Virgem da Caridade do Cobre, padroeira da ilha, também foi levada para a capital.
Detenções aumentam durante a noite, diz Yoani no Twitter
A blogueira Yoani Sánchez afirmou em sua conta no Twitter que o número de detenções de opositores aumentou durante a última noite e que vários de seus amigos estão em paradeiro desconhecido. De acordo com a agência Ansa, o opositor Oswaldo Payá, líder do Movimento Cristão de Liberação, foi impedido de assistir à missa, além de ter sua casa cercada por policiais e sua linha telefônica cortada.
Na terça-feira, Bento XVI se encontrou com o presidente de Cubano, Raúl Castro, no Palácio da Revolução, em Havana. O encontro ocorreu a portas fechadas. Segundo autoridades, os dois líderes
conversaram sobre temas de Havana e da Santa Sé. Ao final, os dois acenaram para população, e foi possível ver Raúl Castro conversando sobre fusos horários com Bento XVI. O presidente cubano comentou que atrasou o começo do horário de verão na ilha como cortesia ao Pontífice. Segundo o jornalista venezuelano Nelson Bocaranda, O Papa teria se encontrado na mesma oportunidade com Fidel e com
o presidente Hugo Chávez, que está no país para tratamento médico.
Bento XVI e Castro mantiveram um encontro que se prolongou por 40 minutos, um período considerado "muito amplo" pelo porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi, que destacou a importância que o pontífice deu à reunião.
O Marino Murillo, o vice-presidente do Conselho de Ministros e supervisor das reformas impulsionadas pelo governo cubano, respondeu às críticas de Bento XVI ao sistema político da ilha, dizendo na terça-feira que
Cuba continuará socialista, não fará reforma política e o marxismo — que o Papa havia considerado
“ultrapassado” — vai continuar a ser sustentado no país.