No início dos anos 1700, quando a revolução comercial já era um fator determinante do progresso e do desenvolvimento das nações, um pensador espanhol teria escrito um ensaio defendendo a tese de que o seu país não deveria entrar naquela competição, porque seria um esforço desnecessário. A Espanha, na época, possuía reservas em metais preciosos suficientes para comprar tudo o que seu povo necessitava. Esse mesmo argumento poderia ser válido, um século depois, nos anos1800, para não embarcar na aventura industrial.
O resultado é que o império espanhol ruiu, as suas decantadas reservas se dissiparam e a outrora pujante nação ibérica amargou mais de dois séculos de decadência. Está voltando ao proscênio agora, quando nem o seu governo nem o seu povo se pautam mais por aquela enganosa opulência do passado.
De certa forma, é esse mesmo problema que inviabiliza o progresso e o desenvolvimento de muitos países que vivem, atualmente, da riqueza fácil gerada pela extração de petróleo. Para que, afinal, arregaçar as mangas? O ouro negro supre todas as carências...
Não é à toa que entre os países mais pobres da África figuram - em aparente paradoxo - os que possuem as maiores reservas mundiais de diamantes e pedras preciosas. A posse de recursos naturais abundantese de fácil extração já causou a desgraça de muitas nações, através dos tempos.
O que dizer, então, quando a falsa abundância não provém de riquezas reais, mas de programas assistenciais promovidos pelos governos locais?
Os analistas isentos e imparciais seriam unânimes em afirmar que, nesse caso, o caminho da perdição seria ainda mais curto.
E se tais políticas paternalistas estivessem sendo promovidas num país pobre e desprovido de maiores recursos? Aí, então, seria suicídio -afirmariam os estudiosos -, uma nação deliberadamente atirando em seus próprios pés.
Pois é esse exatamente o caso do Brasil e do seu programa Bolsa-Família.
Segundo se vangloria o próprio governo, o programa já contempla 11 milhões de famílias, alcançando, assim, entre um quarto e um terço de toda a população brasileira. Trata-se de um exemplo ímpar: em toda a História universal, somos o único povo que logrou escapar da miséria com mesadas.
Argumentos para defender o Bolsa-Família não faltam. O difícil é acreditar que o programa seja viável para sempre.
Pode-se argumentar, a favor dele, que, em termos imediatos é uma forma eficaz de combater os malefícios causados pela miséria. Sem dúvida. Mas trata-se de um paliativo - um remédio que cuida dos efeitos, e não das causas da moléstia. Assim sendo, o seu efeito não é duradouro e tampouco definitivo.
Há pelo menos três aspectos cruciais que estão eivando a iniciativa:
- não se está exigindo, na prática, nenhuma contrapartida dos beneficiários;
- não se está fixando um prazo máximo para a concessão do benefício; e
- o valor do benefício pago está-se revelando muito elevado.
Benefício concedido sem reciprocidade é esmola. E esmola não cria cidadãos ativos. Cria, isso sim, mendigos.
Benefício concedido para sempre não é uma ajuda, mas sim um privilégio. E privilégios não geram indivíduos independentes. Geram, quando muito, um massa disforme de parasitas.
Benefício com valor elevado não complementa o trabalho, mas o substitui. Não gera trabalhadores, mas desocupados. Em vez de pessoas ativas, uma multidão apática de ociosos. Um exército de pensionistas totalmente dependentes da boa vontade dos governantes.
Se o objetivo final de Lula e do PT é criar um gigantesco curral eleitoral, eles estão sendo muito bem-sucedidos. Os "bolsistas" do famigerado programa estarão sempre dispostos a sufragar os candidatos que o governo recomendar.
Mas se o que se pretende é emancipar as pessoas, então o Bolsa-Família está se revelando uma grande excrescência.
Como está escrito na porta do Inferno de Dante: "Abandonai todas as esperanças, vós que entrais"... Aqueles que se inscrevem no"Bolsa-Família" hão de saber que dele jamais sairão. As suas virtudes ativas, a sua independência, a sua cidadania, tudo isso, enfim, é impiedosamente moído tão logo se ingressa no programa. A ética do trabalho e do esforço como a única forma legítima de prosperar na vida deixa de existir já na soleira da porta.
Como reza o ditado, montar num tigre é fácil, o difícil é desmontar dele depois.
O Bolsa-Família é um programa que, uma vez implantado, não há mais como descartá-lo. Os milhões de beneficiários já estão acostumados com o aporte mensal do dinheiro fácil. Como dizer a eles que dali em diante deveriam suar o rosto para obtê-lo?
Tanto para o governo como para a oposição, propor o fim doBolsa-Família seria eleitoralmente desastroso. E o programa, assim, se impõe como algo definitivo.
Aqueles que trabalham hão de votar na oposição, já aqueles que não trabalham votarão sempre no governo. Como estes últimos se estão tornando maioria, o continuísmo parece ser um prognóstico evidente.
Como é economicamente impossível pôr a totalidade dos brasileiros sob o guarda-chuva do Bolsa-Família - alguém tem de pagar a conta -, teremos no País, doravante, duas classes de cidadãos: a dos que sustentam e a dos que são sustentados pelo Bolsa-Família.
Quanto a você, que está lendo este artigo, a recomendação do governo é a seguinte: "Trate de trabalhar duro! Além da sua família, há mais 11milhões de famílias que dependem de você!"
2 comentários:
Por isso meu dinheiro nunca chega ao final do mês. Tbm, com tanta gente na família pra eu sustentar....
O Mellão é muito perspicaz mas por vezes tira conclusões apressadas calcadas em fatos não comprovados.
Está correto quando analisa as causas da derrocada espanhola. A opulência gerada pelas riquezas do novo continente transformaram o país no maior importador do mundo,transferindo assim grandes quantidades de ouro e prata para inimigos estratégicos como Inglaterra e Holanda. A irracionalidade chegou ao ponto de desativarem a produção de centros de renome mundial como Toledo, origem do melhor aço da época em troca por produtos bretões.
O problema dos países produtores de petróleo é completamente diferente. Com excessão dos EEUU e a Rússia, os demais produtores de petróleo eram,pela sua pobreza, obrigados a comprar até a tecnologia de produção do combustível e desta forma se submetiam a contratos leoninos que impediam o acúmulo de riquezas necessário para o desenvolvimento sustentado do país.
A afirmação de que a presença de reservas minerais é a causa da pobreza de nações africanas não se sustenta nem num debate com crianças da idade de meus netos. A pobreza nestes lugares antecede à descoberta dos recursos naturais.
A afirmação gratuita que a riqueza do petróleo gera a ociosidade não é confirmada por países como a Rússia e os EEUU.
O salto acrobático ao passar dos problemas da distribuição equânime das receitas de produtos naturais para as dificuldades da implementação de programas assistenciais é digna de um equilibrista que trabalha sem rede de proteção.
É surpreendente a afirmação de sermos um país pobre e desprovido de recursos para justificar o Bolsa-Família ser um instrumento de suicídio nacional.
O programa Bolsa-Família é uma intervenção temporária no redirecionamento de fluxos de capitais da mesma forma que a manipulação de impostos alivia a pressão de caixa suportada por determinadas empresas em época de crise.
Como todo remédio estas iniciativas trazem efeitos colaterais que devem ser acompanhados de perto. A dosagem é fundamental e logo que a doença esteja controlada devemos suspender a medicação. É inegável a necessidade de minimizar os efeitos geradores de um curral eleitoral mas nenhum governo pode ficar inoperante para não ser criticado.
Quanto a pagar a conta não há como escapar. Pagamos contas piores como as da família Sarney, a do Mensalão, a das ONGs apadrinhadas pelo PT e a dos desvios de lucro de uma companhia de capital aberto (Petrobras)para bancar os PACs do governo.
Para não dizer que não falei de flores, o Mellão está coberto de razão quando evidencia ser o trabalho o alicerce de qualquer programa de crescimento.
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