Desde o tempo mais antigo, existe o costume: quando a mensagem é ruim, principalmente quando é irrespondível, a resposta preferida dos poderosos é culpar o mensageiro.
Não costuma dar certo, principalmente porque ainda não se descobriu maneira segura de sacrificar o coitado antes que abra a boca. Depois, é inútil: revelações verdadeiras costumam ser longevas e resistentes. Se caem na boca do povo, a melhor saída parece ser a paciência: o poderoso apanhado em flagrante tem que esperar que o povo lá fora encontre outros alvos para sua indignação. Sempre acabam aparecendo.
Na semana passada, o senador José Sarney pela primeira vez discursou no plenário, e exatamente no último dia antes do recesso parlamentar, mostrando que não há nada errado com seu senso de oportunidade: quem fala por último, fala melhor. Mais precisamente, fala em melhor hora, por não se expor à contestação.
Ele acusou a mídia de ter esquecido o Senado, para invadir sua vida privada e de sua família. Não havia no plenário um colega impiedoso que lembrasse a verdade: foi do clã numeroso dos Sarney que partiu a primeira invasão, com o uso abusivo de recursos públicos, principalmente para viagens entre Brasília e São Luís. Ele não se lembrou disso, nem tentou contestá-lo.
Não admira: seria complicado responder satisfatoriamente, por exemplo, às provas materiais de uso de dinheiro público para financiar as numerosas viagens de parentes, amigos e empregados da família do presidente do Senado.
Na verdade, não há uma campanha da mídia contra o senador. Existe, sim, o registro continuado da descoberta de uso abusivo de recursos públicos por muitos senadores. De todos ou quase todos os partidos. Nos últimos tempos, o plenário da Casa tem ouvido mais confissões de senadores flagrados em comportamento irregular do que desmentidos às denúncias - muitas delas também de senadores. Diversos reconheceram culpa e prometeram emendar-se. Outros, encolheram-se no silêncio, esperando a tempestade passar.
E esses últimos talvez sejam os mais espertos. Sabem que a mídia, numa hora dessas, é implacável, mas trabalha sempre com fatos novos. Quando estes escasseiam, o ânimo denunciatório perde força. Não é questão de cansaço ou desânimo, mas um elemento da própria natureza do trabalho jornalístico: sem novidades, não há notícias.
Sem pessimismo exagerado, pode-se prever que os escândalos do Senado terão efeito muito relativo nas próximas eleições para o Congresso. E, como praticamente não há partido sem senadores culpados de uso abusivo de recursos públicos, o escândalo de hoje será tema de campanha para poucos candidatos. Pouquíssimos, entre os senadores disputando novos mandatos.
É pena. Resta uma débil esperança: a de que o próprio eleitorado, ao longo da campanha, deixe claro que não se esqueceu do comportamento dos representantes que escolheu em urnas passadas. Talvez deva preferir sangue novo, talvez seja mais sábio reeleger quem confessou malfeitos e jurou arrependimento. Uma escolha complicada.
Um comentário:
Esta intervenção do Sarney pode ser uma despedida, um canto do cisne.
Mesmo no recesso parlamentar novas denúncias são veiculadas pela imprensa.
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