segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

A Juíza e os gays


Juíza que celebrou a maior cerimônia de união gay do mundo diz que adora casamentos

  • Ela conta que sempre concedia guarda de crianças a casais gays



Para juíza, mutirão mostra que, embora existam opiniões contrárias, há uma boa vontade do tribunal
Foto: Mônica Imbuzeiro / O Globo

Para juíza, mutirão mostra que, embora existam opiniões contrárias, há uma boa vontade do tribunal Mônica Imbuzeiro / O Globo
RIO — Cristiana de Faria Cordeiro levou a mãe, de 70 anos, para assistir à maior cerimônia coletiva de união entre pessoas do mesmo sexo já vista no país. Cristiana era a celebrante do momento ímpar na vida dos 91 casais, na tarde do último dia 9. E também uma entusiasta da festa. Ela adora cerimônias de casamento.
Gargalhada frouxa, a juíza é uma defensora irredutível dos direitos individuais, com um argumento simples: eles estão previstos na Constituição. Entre goles de suco de cacau com uva, em um restaurante, pertinho de seu apartamento, no Recreio, Cristiana demonstra segurança ao defender seus pontos de vista, que sustenta com histórias emblemáticas.
Uma delas: a de um casal que acolhia crianças em um programa de assistência da prefeitura, uma espécie de lar transitório antes da adoção. Cristiana conheceu os dois na época em que foi juíza da infância e da adolescência. Ele, Sebastião. Ela, Bruna, transexual. Foi o primeiro casal com esse perfil no projeto. Um sucesso, ambos extremamente dedicados à prole. Um dos meninos que havia sido “devolvido” à vara da infância e juventude por uma família adotiva acabou entregue aos dois, a princípio temporariamente. Bruno se encantou pela nova família e foi adotado.
— Ele dizia: “Sei que minha mãe não é uma mulher como você. Mas eu a amo assim mesmo” — lembra.
Aos 42 anos, mãe de dois meninos, de 9 e 12 anos, Cristiana, heterossexual, acompanha, via redes sociais, o destino das famílias que contemplou com adoções em seu período à frente das varas da infância e juventude de Nilópolis e Santa Cruz. Já concedeu a gays o direito à adoção? “Sempre”, responde, de pronto.
Com visão progressista sobre o tema, ela foi convidada pela desembargadora Cristina Gaulia, coordenadora do Programa de Oficialização de União Estável Homoafetiva no Tribunal de Justiça, a oficializar a cerimônia — iniciativa do TJ, do programa estadual Rio Sem Homofobia e da Defensoria Pública.
A experiência com adoção já levou a juíza a produzir sentenças para a ficção: ela foi consultora da novela “Páginas da vida”, de Manoel Carlos, exibida em 2006, na TV Globo. Na trama, um casal gay, formado por Rubinho (Fernando Eiras) e Marcelo (Thiago Picci), tentava adotar uma criança. Em novembro do mesmo ano, a Justiça concedeu, pela primeira vez, a guarda definitiva a um casal gay, em Catanduva, no interior de São Paulo.
O perfil de Cristiana mostra a diversidade do Judiciário do Rio. Uma polêmica recente envolveu o juiz da 1 Vara de Registro Público, Oliveira Marques. Ele vem rejeitando os pedidos de casamento gay na cidade. Entre eles, o do estilista Carlos Tufvesson com o arquiteto André Piva.
O caminho para decisões progressistas dos tribunais foi aberto em maio do ano passado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu, por unanimidade, a união estável entre casais do mesmo sexo. Já foram autorizados cerca de cem casamentos no país depois disso. A lei brasileira não autoriza o casamento, mas a decisão abriu brechas para isso.
— O caso do Tufvesson foi horroroso. O mutirão mostra que embora existam opiniões contrárias, há uma boa vontade do tribunal em si, que é uma instância até superior, de ver essas situações reconhecidas — diz ela.

Um comentário:

Alberto disse...

O adjetivo progressista basta para defender teses altamente controversas nos dias de hoje. O objetivo é desqualificar opiniões divergentes afastando qualquer possibilidade de um debate democrático e construtivo.
Houve uma época em que ser progressista era votar no PT, hoje é combater as falcatruas do mesmo partido.
O problema da adoção de crianças por gays tem muito pouco a ver com a liberdade de expressão do casal e muito com o benefício que trás para a criança em seu desenvolvimento e sua educação.