Pesquisas creditam para os grupos esquerdistas no primeiro turno cerca de 45%
PARIS - Debilitada e desalentada na França no período posterior aos 14 anos do presidente socialista François Mitterrand no poder (1981-1995), e em descrédito hoje em geral na Europa, a esquerda política vive seu momento de fênix na campanha eleitoral pela sucessão ao Palácio do Eliseu. As pesquisas de opinião creditam para os grupos esquerdistas no primeiro turno, no próximo domingo, cerca de 45% de intenções de voto, índice mítico não alcançado desde as disputas de 1981 e 1988, vencidas pelo partido. Na eleição presidencial de 2007, o desempenho ficou abaixo dos 40%.
Os dois principais protagonistas do pleito presidencial francês, o conservador Nicolas Sarkozy, candidato à reeleição, e o socialista François Hollande, se afrontam hoje, separadamente, em dois grandes comícios parisienses. Os militantes pró-Sarkozy se reunirão a partir das 14h na Praça Concorde, palco de comemoração de sua vitória eleitoral há cinco anos. A aglomeração socialista de seu principal oponente, até aqui apontado pelas sondagens como o favorito para vencer o segundo e definitivo turno, ocorrerá no mesmo horário, no entorno do Castelo de Vincennes. No clima de “Eu ou o caos”, a exemplo da palavra de ordem do general Charles De Gaulle na eleição de 1965 contra Mitterrand, os dois pretendentes a comandar a França nos próximos cinco anos buscam motivar suas trupes e também os derradeiros sufrágios junto aos eleitores indecisos.
Para o sociólogo Michel Wieviorka, diretor de pesquisas da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS, na sigla em francês), a atual agitação esquerdista é explicada, num primeiro nível, mais por um declínio da direita do que por uma escalada da esquerda.
— A direita hoje tem um líder (Sarkozy) que não agrada a todos os seus eleitores. E há este sentimento de que a situação econômica e social não melhorou, de que a direita falhou. É um pouco como ocorreu na Espanha, mas no sentido inverso (os socialistas espanhóis perderam no ano passado as eleições para o Partido Popular, de direita). Por aqui, a tendência é “tentemos a esquerda, porque a direita não funcionou” — sustenta.
A análise do ressurgimento da esquerda francesa deve, no entanto, ser aprofundada, segundo o sociólogo, a partir do esgotamento nos anos 1980-90 do modelo comunista e também da fórmula social-democrata.
— Na França, o comunismo se enfraqueceu consideravelmente com a queda do Muro de Berlim (1989), e a social-democracia esmoreceu na Europa porque havia menos dinheiro para sustentar os Estados de Bem-Estar Social e porque o movimento operário declinou — contextualiza.
Atualmente, diz ele, uma certa “sensibilidade comunista” pôde ser “um pouco” reconstruída, porque estaria liberada do peso do stalinismo e da referência à União Soviética.
— Hoje se pode estar na França e se dizer comunista sem precisar pagar pelos pecados da URSS, de Stálin e do totalitarismo. Há um pouco mais de espaço para uma esquerda da esquerda, veja-se o caso de Jean-Luc Mélenchon (candidato da Frente de Esquerda, creditado com cerca de 15% dos votos e brigando pelo terceiro lugar, de acordo com as pesquisas de opinião).
Para o sociólogo Alain Touraine, a esquerda ganhou mais recentemente espaço na França impulsionada por uma situação de crise generalizada no mundo ocidental, deflagrada por desmedidas ambições do capitalismo financeiro.
— A esquerda tem hoje um maior apelo popular simplesmente porque as pessoas estão vivendo mal, têm medo do futuro. Diria que as qualidades pessoais de Nicolas Sarkozy lhe permitiram ir até mais longe do que poderia, porque ele é um homem político, bom orador, um bom boxeador, mas hoje poucos podem confiar nele — diz, ao criticar, ao mesmo tempo, a falta de renovação nas propostas da esquerda.
Hollande: imagem nova sem mudar suas ideias
O historiador Jean-Luc Pouthier, do Instituto de Estudos Políticos de Paris, vê a crise e o voto de protesto contra desmesuras do capitalismo, representadas pelos mercados financeiros, como estimuladores de uma esquerda mais extremada na França.
— Hoje há uma corrente de esquerda mais radical que se manifesta com mais força. Uma corrente que desde a época de Mitterrand havia desaparecido numa esquerda mais reformista, europeia, favorável à empresa, enfim, uma esquerda que não era anticapitalista.
Embora no início desacreditada, a escolha como candidato do Partido Socialista de François Hollande — ex-marido da candidata derrotada por Sarkozy em 2007, Segoléne Royal, e espécie de segunda opção após os problemas de Dominique Strauss-Kahn com a Justiça — não surpreende os analistas. Para Jean-Luc Pouthier, sua candidadura se enquadra na lógica das instituições da 5ª República: o chefe do partido é o candidato natural. Michel Wievorka destaca o empenho e a determinação de Hollande em se tornar o nome do partido na corrida presidencial:
— Ele vem preparando sua campanha há uns dois anos, e sua transformação data desta época. Ele mudou, inclusive fisicamente, emagreceu, está com um novo look, também com uma nova mulher (a jornalista Valérie Trierweiler), mas não penso que tenha se transformado intelectualmente. É um homem político prudente, um excelente estrategista, alguém que escuta muitas pessoas mas toma as as decisões praticamente sozinho.
Um comentário:
Nesta eleição a França dará um salto gigantesco em busca do passado.
O debate eleitoral em termos da velha esquerda e da decrépita direita nos remetem à primeira metade do século passado."Dommage"
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