Os jornais que meu pai levava para casa, ao retornar do trabalho, consistiam em minha leitura predileta, tão logo passei a dominar, na década de 1950, o código alfabético. Trazidos de trem, os diários do Rio só chegavam a Belo Horizonte no início da tarde. Como a TV ainda não entrara em nossa casa, após o jantar, a família reunia-se na sala de visitas para ler as notícias.
Influenciado pelo americanismo de pós-guerra, acompanhei horrorizado os passos do casal Rosenberg rumo à cadeira elétrica, acusado de passar aos russos segredos nucleares. Em setembro de 1949, a União Soviética explodira sua primeira bomba atômica, detonando nos EUA uma histeria coletiva, medo de que a próxima caísse sobre a nação que se considerava imune a um ataque externo.
Leitor de histórias em quadrinhos, aprendi que os EUA estavam protegidos pelos super-poderes do Capitão América, pela miraculosa aparição do Super-Homem, pela presteza vigilante da dupla Batman e Robin. Deus sempre salvava a América. Julius e Ethel Rosenberg foram apontados como os traidores que permitiram a Stalin possuir a mais poderosa das armas.
De tanto olhar as fotos em O Globo, gravaram-se em mim os rostos de Julius, 35 anos, e de Ethel, dois anos mais velha do que ele, na prisão de Sing Sing, em Nova York. Ele, com óculos de lentes brancas e um bigode de vassoura que lhe imprimiam aspecto de tabelião caprichoso. Ela, com os cabelos negros armados sobre o rosto oval, a boca pequena e o porte robusto. Nunca se provou que eram de fato espiões, mas o aquecimento da Guerra Fria exigia, para aplacar o pavor ocidental, um bode expiatório.
A pena de morte pareceu-me apropriada naquele caso. Tratava-se de impedir que a exceção virasse regra, pondo em risco a segurança do Mundo Livre. Passei dias sob o impacto da foto do casal amarrado à cadeira elétrica, suas cabeças cobertas por capacetes repletos de fios, malditos astronautas a caminho do inferno. Foram executados a 19 de junho de 1953.
O velho buldogue Edgar Hoover, chefe do FBI, felizmente estava a postos na soleira da porta de nossas casas, defendendo-nos da ameaça comunista. Mas não me conformei, pouco depois, com a execução de Caryl Chessman, também nos EUA. Li suas cartas. Se não me convenci de sua inocência, não me restava dúvida de que se tratava de um homem recuperado para a sociedade. Por que matar um criminoso que o cárcere transformara num intelectual?
Nunca mais aceitei a pena de morte. Um ser humano é um milagre de Deus e uma obra-prima da natureza. Culpada é a sociedade que faz dele um monstro e, ao puni-lo, é incapaz de recuperá-lo para o convívio social. Por isso, fico assustado quando vejo lideranças políticas, inclusive de esquerda, clamarem por prisão perpétua ou pena de morte. Não é o peso da sentença que inibe a criminalidade. É a certeza da punição. A impunidade estimula a transgressão da lei. A pena, transformada em vingança, condena a sociedade que a aplica.
Influenciado pelo americanismo de pós-guerra, acompanhei horrorizado os passos do casal Rosenberg rumo à cadeira elétrica, acusado de passar aos russos segredos nucleares. Em setembro de 1949, a União Soviética explodira sua primeira bomba atômica, detonando nos EUA uma histeria coletiva, medo de que a próxima caísse sobre a nação que se considerava imune a um ataque externo.
Leitor de histórias em quadrinhos, aprendi que os EUA estavam protegidos pelos super-poderes do Capitão América, pela miraculosa aparição do Super-Homem, pela presteza vigilante da dupla Batman e Robin. Deus sempre salvava a América. Julius e Ethel Rosenberg foram apontados como os traidores que permitiram a Stalin possuir a mais poderosa das armas.
De tanto olhar as fotos em O Globo, gravaram-se em mim os rostos de Julius, 35 anos, e de Ethel, dois anos mais velha do que ele, na prisão de Sing Sing, em Nova York. Ele, com óculos de lentes brancas e um bigode de vassoura que lhe imprimiam aspecto de tabelião caprichoso. Ela, com os cabelos negros armados sobre o rosto oval, a boca pequena e o porte robusto. Nunca se provou que eram de fato espiões, mas o aquecimento da Guerra Fria exigia, para aplacar o pavor ocidental, um bode expiatório.
A pena de morte pareceu-me apropriada naquele caso. Tratava-se de impedir que a exceção virasse regra, pondo em risco a segurança do Mundo Livre. Passei dias sob o impacto da foto do casal amarrado à cadeira elétrica, suas cabeças cobertas por capacetes repletos de fios, malditos astronautas a caminho do inferno. Foram executados a 19 de junho de 1953.
O velho buldogue Edgar Hoover, chefe do FBI, felizmente estava a postos na soleira da porta de nossas casas, defendendo-nos da ameaça comunista. Mas não me conformei, pouco depois, com a execução de Caryl Chessman, também nos EUA. Li suas cartas. Se não me convenci de sua inocência, não me restava dúvida de que se tratava de um homem recuperado para a sociedade. Por que matar um criminoso que o cárcere transformara num intelectual?
Nunca mais aceitei a pena de morte. Um ser humano é um milagre de Deus e uma obra-prima da natureza. Culpada é a sociedade que faz dele um monstro e, ao puni-lo, é incapaz de recuperá-lo para o convívio social. Por isso, fico assustado quando vejo lideranças políticas, inclusive de esquerda, clamarem por prisão perpétua ou pena de morte. Não é o peso da sentença que inibe a criminalidade. É a certeza da punição. A impunidade estimula a transgressão da lei. A pena, transformada em vingança, condena a sociedade que a aplica.
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