quarta-feira, 6 de março de 2013

‘Brasileiro Odilo Scherer é um nome limpo em Roma’



  • Andreas Englisch, correspondente alemão no Vaticano e autor de ‘O homem que não queria ser Papa’, aposta no cardeal de São Paulo
  • Ele descarta a eleição de um italiano ou americano como sucessor de Bento XVI


Andreas Englisch e Joseph Ratzinger
Foto: Divulgação
Andreas Englisch e Joseph Ratzinger Divulgação
RIO - A renúncia de Bento XVI não foi uma surpresa para o correspondente alemão há 25 anos no Vaticano e autor do livro “O homem que não queria ser Papa”, Andreas Englisch. Com a mesma firmeza com que previu a saída de Joseph Ratzinger, o escritor afirma que o próximo Pontífice pode ser brasileiro. Em entrevista ao GLOBO, Englisch diz apostar no cardeal Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo, e descarta a possibilidade de um religioso americano ou italiano. Scherer, segundo o correspondente, é visto como um nome “limpo” em Roma. Um cardeal mais jovem, imune a escândalos de corrupção e abusos sexuais e capaz de reconquistar fiéis do maior país católico do mundo.

Andreas Englisch:
 Dom Odilo Scherer é o favorito na América, tem boas chances. O Brasil é a maior país católico do mundo e está passando por um grande problema que é a perda de católicos. Um Papa brasileiro poderia reconquistar fiéis de toda a América Latina, o que seria muito importante. Scherer é novo, fala várias línguas e é considerado um nome limpo em Roma.O GLOBO: Faltando poucos dias para o conclave que elegerá o próximo Papa, quais os candidatos o senhor aponta como favoritos para suceder Bento XVI?
E os cardeias americanos? O arcebispo de Nova York Timothy Dolan é visto como um nome forte...
Andreas Englisch: A maioria dos candidatos americanos se envolveu em escândalos de abuso sexual. Se elegessem um Papa americano e depois fosse descoberto que ele está implicado em algum caso, seria um desastre. Muitos cardeais não aceitariam isso, querem um nome limpo. E não está claro quem nos Estados Unidos se envolveu ou não em escândalos no passado.
O senhor não acha que os cardeais italianos vão tentar recuperar o trono?
Andreas Englisch: Acho que sim, e o Angelo Scola é um dos principais. Mas não acredito que eles sairão vitoriosos. Há muitas pessoas no resto do mundo que desejam globalizar a Igreja e não querem um Papa italiano. Fora que a corrupção e os problemas do Banco do Vaticano são tão grandes, e tem tantos italianos envolvidos, que não dão boas chances aos cardeais do país.
E o Tarcisio Bertone?
Andreas Englisch: Se um Papa tiver sucesso durante seu pontificado, as pessoas tentarão escolher uma pessoa próxima a ele, o que aconteceu na transição de João Paulo II para Ratzinger, e não é o caso agora. Eles nunca vão escolher Bertone, é impossível, fora que ele cometeu muitos erros.
Em seu livro, o senhor já previa um pontificado breve de Joseph Raztinger. O que o levou a pensar que Bento XVI renunciaria?
Andreas Englisch: Eu sabia que ele iria renunciar, sempre pensei isso. Ratzinger é muito tímido, não gosta de ser visto. Ser eleito foi a morte para ele. Ele não gosta de ficar na presença de muitas pessoas, nem de câmeras. Me lembro que, há muito tempo, perguntei se ele imaginaria ser Papa algum dia. Ele respondeu que nunca poderia fazer isso.
O senhor acha que os escândalos no Vaticano contribuíram para a renúncia? Ou foi só a saúde de Bento XVI que pesou na escolha?
Andreas Englisch: O principal motivo é que o Vaticano não o protegeu. Nos últimos anos do pontificado de João Paulo II todo mundo o defendeu por que gostavam dele. Com Ratzinger não foi assim. Ele foi o Papa mais solitário nos últimos 500 anos, um dos mais fracos na história. E com os escândalos de corrupção e de pedofilia na Igreja, a Cúria viu que precisava de um Papa muito forte. Percebeu que escolheu o homem errado para o cargo. Ratzinger não era um homem que guiava ou queria guiar a Igreja. Ele deixou a maior parte das decisões para a secretaria de Estado, o que foi um grande erro. João Paulo II estava muito doente, não podia mais andar, falar, não movia os braços, o corpo e mesmo assim não renunciou. Ratzinger podia andar e falar perfeitamente.
Qual foi a reação dos alemães diante da decisão de Ratzinger? Eles se sentiram órfãos?
Andreas Englisch: Algum pessoas podem até ter se sentido órfãs, mas a maioria se sente desapontada pelo pontificado. Os alemães sempre tiveram problemas com Bento XVI, eles nunca ficaram muito felizes com Ratzinger. Eles pensam que ele perdeu a chance histórica de pedir desculpas pelo o que os católicos alemães fizeram na Segunda Guerra Mundial. A maioria pensou, no entanto, que a renúncia foi uma decisão poderosa, que mostrou como ele foi inteligente por ter parado no momento em que se sentiu fraco.
Com a doença de João Paulo II, a Igreja já estava se preparando para a sucessão. O senhor acha que, por terem sido pegos de surpresa, os cardeais poderiam levar mais tempo para escolher o sucessor?
Andreas Englisch: Acho que o conclave vai começar em 11 de março e teremos um Papa no dia 14 de março. Os cardeias têm que ser rápidos, eles precisam voltar para casa. O único período em que um cardeal tem que estar em sua cidade é na Páscoa. E eles precisam de um Papa.
O senhor acha que a decisão de Bento XVI abre precedentes para que os próximos Papas deixem o cargo?
Andreas Englisch: Bento XVI criou um grande problema. A partir de agora todos os Papas estão aptos a renunciar por fraqueza política e pela saúde.


Um comentário:

Alberto disse...

Bento XVI era um intelectual sem nenhuma vocação para manobras políticas.
Como a política hoje é considerada prioridade na Santa Sé, Dom Scherer tem chance.
O estranho é que suas apregoadas qualidades nada tenham a ver com méritos próprios.
Em seu "curriculum" os pontos de apelo eleitoreiro são o fato de ser brasileiro e não ter sido denunciado como envolvido em crimes sexuais. Francamente, ser brasileiro é fortuito e não participar de escândalos sexuais é sua obrigação.
"O Tempora, o mores".